2011-06-26

O monstro que odeia as flores e acusa o Papa do maior crime contra a Humanidade: argumento para um filme de auto-sátira, (FFF, S6M, BBR)

O monstro levantou-se muito cedo depois de várias horas sem dormir às voltas na cama. Tinha um encontro marcado com uma personagem misteriosa que não sabia se era branca ou negra. Não era a cor da pele que lhe interessava mas imaginava que fosse negra nascida e crescida em África seria muito diferente de nascida e crescida na Europa. Diferente mas não necessariamente melhor ou pior. Só sabia que era uma personagem importante do voluntariado em Moçambique. O monstro tinha sentido dizer que aquele personagem era um guru da cura da depressão com o voluntariado. Era aquilo que ele precisava. Muitos faziam voluntariado por altruísmo. O monstro queria fazer voluntariado por egoísmo, para curar a sua depressão. A morte de 6.000.000 crianças de fome ou 6.000.001 interessava-o menos de curar a sua depressão. Tinha uma depressão muito particular que ainda não constava nos livros de medicina, psicoterapia e saúde mental. Ele chamava-a DPN=depressão-positiva-negativa, DBM=depressão-boa-má, DAO=depressão-amor-ódio ou DCR=depressão a corrente alternada. Sonhava que uma destas abreviaturas entraria na HSM=história-saúde-mental. Nas noites de insónia virava-se para um lado e sonhava acordado no ódio do passado e futuro. Virava-se para outro e invertia a corrente. Tinha pensado que a felicidade seria só a corrente positiva. Mas seriam coisas do diabo: não conseguia.

Entrou no comboio às 5 da manhã. Percorreu-o e encontrou só o maquinista que era também o cobrador de bilhetes e um negro. Estava em corrente positiva, sorriu para o negro e sentou-se em frente. Viu da outra parte corrente positiva e perguntou-lhe de onde era. Era de Timor. Trabalhava de jardineiro de uma rica família. O monstro não deu pelo passar da viagem enquanto falava com ele. Estava em corrente positiva e o seu interlocutor devia ter pensado que era uma pessoa normal. Mas o único companheiro de viagem saiu uma estação antes do seu curto destino e a corrente virou em negativo. Apreciou as novas tecnologias que lhe mostravam a próxima estação: era a sua. Mas virou corrente quando leu: "Parabéns por ter escolhido um meio de transporte ecológico e amigo do ambiente". Estava a viajar num comboio que poderia transportar centenas de pessoas, toneladas para transportar um cliente de 70Kg que pagara um bilhete de €4 e chamavam àquilo transporte ecológico amigo do ambiente? Quantos mortos de fome se alimentavam com a energia para aquela sua viagem? Ou quantos mortos de fome se salvariam com o resultado da sua viagem?

Chegou à estação de destino e encontrou um silêncio absoluto. Queria perguntar a alguém se o seu destino era para a direita ou esquerda mas ainda todos dormiam. Sentou-se na sala de espera e abriu o livro de viagem: "Até ao ano 2018". Tinha sido escrito em 1972 a fazer previsões para os próximos 50 anos. Leu o título "TONELADAS PARA TRANSPORTAR KILOS" e pela sua mente passou o letreiro: "Parabéns por ter escolhido um meio de transporte ecológico e amigo do ambiente". Passou ao capítulo da população e mortos de fome, recordou as polémicas e escândalos por causa do Papa ter falado dos preservativos.  Nisso defendia o Papa. O Papa tinha dito que a questão  fundamental não era o preservativo mas … e os meios de informação mundial fizeram um grande escândalo por uma banalidade como a de Berlusconi e Ruby. Não fizeram escândalo naquilo que escandalizava verdadeiramente o monstro: 6.000.000 de crianças a morrer de fome, 1.600.000 órfãos só em Moçambique e 50.000 famílias à espera de poder adoptar uma criança só em Itália.  Se o Papa, Vaticano, bispos, padres e católicos que fizeram campanhas contra adopções de quem não é casado pela Igreja invertessem a corrente e promovessem adopções de solteiros, homossexuais e todos os que querem filhos haveria menos animais domésticos, mais alguns "pecados" para a moral católica tradicional mas salvavam-se 6.000.000 de crianças que poderiam ser adoptadas. Levantou-se para descarregar a tensão da revolta que sentia dentro, foi passear no jardim da estação. Mas aquele jardim bem tratado com muitas flores muito bonitas parecia-lhe um punho no estômago ao pensar que em vez de flores se podiam cultivar algumas batas e salvar mortos de fome…


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