2006-09-09

As maçãs a apodrecer, os mortos de fome e Neo-arte, Neo-cinema, Neo-cultura...
Da minha janela vejo um enorme terreno no centro de uma aldeia por cultivar. No centro está uma macieira cheia de maçãs que ninguém aproveita. Todos os dias vejo aquela fruta a apodrecer e aquele terreno por cultivar e penso nas milhares de crianças a morrer de fome e como ficariam contentes com uma daquelas maçãs a apodrecer.
Eu não posso mandar uma daquelas maçãs para as crianças que morrem de fome. Mas aquelas dezenas ou centenas de kg de fruta poderiam ser comidos pela gente da aldeia em vez de se importar fruta de longe que custa socialmente pela poluição do transporte, armazenagem e conservação. Se a gente desta aldeia comesse esta fruta em vez da outra importada de longe, podia pagar menos e comer melhor, (porque a fruta sem ser conservada artificialmente tem mais vitaminas).
Por outro lado, aquela fruta economizada podia alimentar os que morrem de fome. Em vez de utilizar-se o custo do transporte para trazer aquela fruta para aqui podia utilizar-se para levá-la onde morrem de fome.
Neste caso concreto imaginei os voluntários desta aldeia a colher aquela fruta, dar alguma ao proprietário do terreno que assim beneficiava mais de deixá-la apodrecer, os voluntários podia levar alguma para as próprias casas ou oferecer aos amigos, outra seria dada aos pobres e outra posta á disposição de todos com oferta livre, convidando as pessoas mais ricas a oferecer o justo preço e as mais pobres a darem só se quisessem.
Falei com um conselheiro da administração pública mas respondeu-me que cada um fazia o que queria do que era seu e não podiam interferir na propriedade privada.
Imaginei-me a falar com o pároco, sugerir-lhe de anunciar na missa um mercado antes e depois de cada missa com estas maçãs e outras doações do que não serve para serem doadas ou vendidas aos mais pobres.
Por 3 vezes lhe bati à porta mas não o encontrei. Vou meter-lhe uma carta na caixa do correio.
Estava com estes pensamentos e vi na TV um artista-filósofo a falar de ideias muito simpáticas e outras menos: a arte ao serviço da convivência global, uma cidade dos artistas que usava todos os objectos possíveis e imaginários para os transformar em arte, recebe artistas de todo o mundo que depois levam esse fogo artístico para as comunidades onde vivem. Mas no final falou do objecto pessoal, da simples chave com a forma original criada individualmente e que se transforma em arte terminando num museu, ... os museus estão a tornar-se catedrais da cultura no Ocidente e segundo ele um dia em todo o mundo ...
Pensei nos que morrem de fome, nas catedrais de chaves e outras inutilidades dos ricos a ocupar terrenos onde se poderiam cultivar alimentos para morrerem menos de fome... Pensei no político italiano mais famoso pelas suas batalhas pela “sua” cultura e que eu considero a vergonha da velha cultura italiana: com os nossos impostos ou do Afeganistão foi de helicóptero a ver os buracos das estátuas destruídas pelos talibãs ... O custo comercial de uma viagem de helicóptero é de cerca de €1000 à hora e eu penso nas milhares de crianças que poderiam viver com o custo desta viagem para nada ... ou para quê?
Quantas toneladas de alimentos que vão para o lixo em Itália se poderiam transportar para os que morrem de fome só com o custa desta viagem do chamado embaixador da cultura italiana? Não precisaremos de outros embaixadores de outras culturas?
Imagino-me a dirigir um programa de TV com uma montagem de imagens de crianças que morrem de fome, do que custaria salvá-las e do que custou aquela sua viagem perguntando-lhe depois o resultado e se o mundo não precisa de outra cultura diferente da sua...
Imagino uma escola de Neo-arte de exercício da criatividade orientada para as prioridades da sociedade actual e futura.
Imagino-me a colaborar com um bom realizador de cinema a fazer um filme que revolucione esta cultura de elites para elites, esta justiça de elites ao serviço de elites da criminalidade, corrupção e terrorismo. Imagino-me no papel de um profeta maldito que defende a pena de morte quando com a morte de um assassino se salvariam 10, 100, 1000 inocentes e se melhoraria a vida de milhões ... Defende a tortura quando com a tortura de um torturador se salvariam da tortura e sofrimento milhares ou milhões de inocentes ... Defende que nem todas as guerras são justas mas nem todas são injustas ... a mais justa é contra a criminalidade ... a menos justa é a que sacrifica mais inocentes com menos resultados ...
Imagino-me num tribunal a deitar as calças abaixo e mijar nos juizes com um jacto semelhante ao de Chaplin no filme “Um Rei a Nova Yorque” ... ou virar o traseiro e deitar um jacto como o de Chaplin ... mas não de água ... de merda ... Como forma de protesto contra a merda de justiça ...
Folheio “La Stampa”, (2006-09-09) e leio o caso de um libanês preso por abuso da profissão de dentista. Diz ser diplomado mas não pode ir a buscar o diploma por causa da guerra. No seu carro de luxo tem toda a aparelhagem essencial para exercer a profissão de dentista ambulante dos ciganos que não têm assistência social para poderem ir aos hospitais. Os clientes defendem-no por fazer bom trabalho por pouco preço. A mulher pede para lhe devolverem a aparelhagem que ainda não está paga e é o seu meio de vida. Com milhões de casos de grades criminosos que são arquivados por falta de tempo devem próprio ocupar-se deste ilegal que com as suas ilegalidades parece fazer mais bem do que mal?
Mais adiante no mesmo jornal vejo a foto do comunista presidente da Câmara de Itália Bertinotti a abraçar o realizador português Manuel de Oliveira no festival de cinema de Veneza. Ontem escutei na TV, (Blog, Rai3, 20.15), um italiano a fazer-lhe elogios com uma linguagem filosófica que não percebi nada. Penso que há umas elites de premiados e críticos de um cinema nas nuvens, longe do quotidiano e da linguagem comum. De Manuel Oliveira recordo muitos prémios internacionais e nenhum filme de êxito de popularidade. Do mais popular que não recordo o nome mas recordo das críticas de que era uma banal história de amor com postais ilustrados das margens do Douro ...outros diziam que era uma obra prima muito enfadonha de ver até ao fim. Recordo uma cena de um dos seus filmes na TV em que se sentia um monólogo ou diálogo por uns 5 minutos de pessoas longínquas numa paisagem banal. Não sei se aquela ausência de imagens seria um efeito estético para realçar o sentido das palavras mas sei que aquilo foi para mi uma impressão de um cinema ao contrário do que eu imagino: imagem e som para transmitir ideias, emoções e sentimentos. De Manuel Oliveira recordo uma história com Mário Soares e “Cahiers du Cinema” ...

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